Sob o signo de Leão, Caetano chega aos setenta e cinco anos. Nascido em 1942, em Santo Amaro, interior da Bahia, Caetano Veloso completou 75 anos no dia 7 de agosto. É um dos principais cantores, compositores e violonistas brasileiros. Mas poderíamos ir além e dizer que é um criador de estilos e tendências. Esse baiano superbacana é qualquer coisa, beleza esperta, que desde a década de 60 tem renovado constantemente seu repertório, verdadeiro camaleão da música popular brasileira.
Quando surgiu para o público maior, que assistia aos festivais da Record nos anos 60, causou alvoroço com a canção “Alegria alegria”. Mostrou que vinha para caminhar contra o vento, sem lenço e sem documento, no coração do Brasil. Nos tempos sombrios da ditadura militar, foi um guerrilheiro cultural, já que, sem livros e sem fuzil, incomodava pelo brilho da sua inteligência que denunciava o nosso anacronismo. Com um ritmo novo e bárbaro, atravessado por influências como a Bossa Nova, o Baião e o Rock, suas canções mostravam que, por detrás do monumento de papel crepom e prata, erigido no planalto central, uma criança sorridente, feia e morta estende a mão. Era a tropicália, que explodia como uma granada, revelando o abismo entre o sonho de um país moderno e a realidade de um Brasil arcaico. Não tardou para que o governo dos generais o convidasse a deixar o país.
Em 1969, ele e Gilberto Gil, seu companheiro desde os primeiros tempos em Salvador, foram para o exílio em Londres. Os dois se tornaram parceiros na música e na vida, e atravessaram juntos aquele período turbulento da história do país. De volta ao país, em 1972, retoma a sua produção. A década de 1970 foi muito importante para a carreira de Caetano, e para toda a MPB. Entre as canções de Caetano mais representativas desse período estão algumas como “Odara”, “Um índio”, “Oração ao tempo”, “Tigresa”, “Terra”, “O leãozinho”, que são verdadeiras obras-primas do cancioneiro da nossa MPB.
Suas qualidades como compositor fazem dele um grande poeta da Língua Portuguesa. É inegável que, em suas letras, a sua língua roça a língua de Camões. Mesmo em letras aparentemente simples, despretensiosas, como “O leãozinho”, para ficar num exemplo, uma leitura mais atenta revela sua potência poética.
Eis a letra:
O LEÃOZINHO
(Caetano Veloso)
Gosto muito de te ver, Leãozinho
Caminhando sob o sol
Gosto muito de você, Leãozinho
Para desentristecer, Leãozinho
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você no caminho
Um filhote de leão, raio da manhã
Arrastando o meu olhar como um ímã
O meu coração é o sol pai de toda a cor
Quando ele lhe doura a pele ao léu
Gosto de te ver ao sol, Leãozinho
De te ver entrar no mar
Tua pele, tua luz, tua juba
Gosto de ficar ao sol, Leãozinho
De molhar minha juba
De estar perto de você e entrar numa
Vemos, logo na primeira estrofe, a aproximação e, consequentemente, a associação da figura do leãozinho com a do sol. Sol e leão, leão e sol, uma relação que é retomada ao longo da letra, criando um efeito não apenas de reiteração, repetição, mas também de coesão temática. Assim, o “filhote de leão” é associado diretamente a “raio da manhã”, e mais indiretamente logo adiante no verso “Quando ele lhe doura a pele ao léu”, o pronome “ele” refere-se ao sol, o astro-rei do nosso sistema, como também é o leão rei das nossas selvas. Sem nos esquecer que o sol é o astro regente do signo de Leão, ou Leo (em latim), retomado pela palavra léu, que significa “inação”, “ócio”, mas cuja sonoridade aponta para a raiz da palavra leão (Leo). Na última estrofe, temos outra alusão ao grande felino no verso “De estar perto de você e entrar numa”, em que podemos ver na palavra numa, além da contração da preposição em + o artigo uma, o possível substantivo próprio Numa, nome da leoa de Tarzan, um seriado muito popular na televisão na década de 70. As caras e os coroas hão de lembrar-se.
Para ler de novo, agora com o acompanhamento musical, na interpretação de Caetano e Maria Gadú, clique aqui.
Por essas e por outras é tão bom ouvir Caetano e entrar numa, para desentristecer o nosso coração e tudo ficar odara!
por Sérgio Massagli
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