Professor é aquele que mostra, que revela e que reflete aquilo que o aluno já sabe, mesmo sem saber. E cada pessoa funciona, mesmo sem querer, como modelo ou antimodelo de ensinar e aprender.
Em tudo há lições. Nas aulas, com professor à frente ou com alunos em círculo. Nos textos, em que novos mundos e visões ensinam outras formas de olhar o mil vezes já visto. E até nas pedras, como já mostrava João Cabral de Melo Neto, no poema “A educação pela pedra”, publicado em 1965. Nas duas partes do poema, em que duas “educações” se contrapõem, vê-se como até um objeto inanimado, mas altamente simbólico, pode auxiliar na compreensão do mundo, de si mesmo e do eterno conflito entre um e outro.
Sem mais, vamos a ele:
A EDUCAÇÃO PELA PEDRA
(João Cabral de Melo Neto)
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática[1], impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada[2];
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se[3] compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
—
[1] sem ênfase, sem destaque; [2] modificada, tornada suave; [3] tornar-se mais pesado.
***
Como se disse antes, há dois movimentos, nas duas estrofes do poema: na primeira, mostra-se as quatro lições que a pedra dará, de fora para dentro; na segunda, uma só, de dentro para fora.
O poema aponta que, para se compreender a pedra e aprender, primeiramente deve-se “frequentá-la”, isto é, é preciso ir a ela, conviver, conectar-se a ela. Pois essa professora, com voz “inenfática, impessoal”, não busca seus alunos, embora muito se possa dela revelar. A primeira lição é a da dicção, justamente por conservar essa voz inalterável. Por certo que João Cabral, ao mostrar que se deve aprender a voz da pedra, aponta para a necessidade da palavra contundente, de peso, que não será apenas conversa mole.
Na sequência, vem a lição de moral. Em que se mostra o valor da resistência com a característica da pedra. Ela se conserva fria a tudo que flui, que passa, que tem pretensão a modificá-la. Vale ressaltar que a pedra, nesse sentido, surge como objeto que afunda, isto é, não se torna superficial nem vai ao sabor das marés e circunstâncias, mas sim se mantém firme e segura.
A terceira lição, de poética, por configurar-se como o estilo de João Cabral de Melo Neto, apresenta-se como a “carnadura concreta”, em que cada palavra está lá não como floreio ou adorno, mas sim para cumprir sua função em compor o todo do poema. E a lição de economia, por sua vez, reitera a ideia de que, a pedra ensina aos que quiserem aprender, a necessidade de ser compacto, e não expansivo, aéreo, disperso.
Com isso, mesmo sem dizer nada (pois é “cartilha muda”), a educação pela pedra proposta pelo poeta vem como forma de não se deixar levar por correntes e encantos momentâneos, mas sim para conservar-se em sua integridade.
Mas há a outra educação, a do Sertão – uma vez que João Cabral é nordestino, pernambucano. Nela, que vem de dentro para fora e começa a ser aprendida mesmo antes da escola (“pré-didática”), mostra-se como ser duro, resistente. Euclides da Cunha, em Os sertões, diria a frase de que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Nessa segunda estrofe tal premissa parece se confirmar, pois a pedra, sem simbolismos tolos, mostra-se em sua face concreta: não sabe lecionar e nem ensinaria nada. Mesmo porque seus alunos já conhecem todas aquelas lições, por trazerem uma “pedra de nascença”, entranhada na própria alma, criada e adensada na dureza da vida.
Dessa pedra-professora, é preciso tirar as lições e aplicá-las. Tornar-se um forte, seguro e firme diante das adversidades, compactado para não se quebrar no caminho, resistente às ondas e aos golpes. Cada professor sabe, em cada sala de aula, que assim é que se constrói o conhecimento de qualquer área. E cada aluno deve compreender que a sua pedra não virá de fora, mas sim de dentro, como alicerce a ser reforçado e mantido a cada dia, diante dos exemplos, bons e maus.
Feliz Dia dos Professores
E pronto!
por Saulo Gomes Thimóteo
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