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LIRA XXII

janeiro 28, 2018

O representante máximo do Arcadismo brasileiro, Tomás Antônio Gonzaga compôs uma obra que resgatava os valores da Antiguidade Clássica, ao mesmo tempo em que se vestia de um vocabulário menos rebuscado e mais ameno do que o barroco. Marília de Dirceu (1792) é a obra em que imperam ideais bucólicos, isto é, voltados para a simplicidade do pastor Dirceu na celebração da natureza, do campo e da sua bela Marília.

Os poemas não obedecem a uma forma fixa. Além disso, as imagens que orbitam Marília são várias: ela sentada na relva, os animais e as plantas, os deuses como personagens que interagem (inclusive com Cupido confundindo Marília com sua mãe, Afrodite, tamanha a beleza). Enfim, cada lira – remetendo ao instrumento musical da Antiguidade, que acompanha o cantar dos versos – traz consigo uma alegria e uma tristeza: alegria por celebrar esse amor sentido, tristeza por saber que ele se vai findar futuramente, com a chegada da morte. Por isso se deve aproveitar o momento (carpe diem). Só há uma maneira de escapar disso, conforme se vê na Lira XXII: a poesia.

Sem mais, vamos a ela:

MARÍLIA DE DIRCEU

PARTE I – LIRA XXII

 

Muito embora, Marília, muito embora

Outra beleza, que não seja a tua,

Com a vermelha roda, a seis puxada[1],

Faça tremer a rua.

 

As paredes da sala, aonde habita,

Adorne a seda, e o tremó[2] dourado;

Pendam[3] largas cortinas, penda o lustre

Do teto apainelado[4].

 

Tu não habitarás palácios grandes,

Nem andarás nos coches[5] voadores;

Porém terás um Vate[6], que te preze,

Que cante os teus louvores.

 

O tempo não respeita a formosura;

E da pálida morte a mão tirana

Arrasa os edifícios dos Augustos[7],

E arrasa a vil choupana[8].

 

Que belezas, Marília, floresceram

De quem nem sequer temos a memória!

Só podem conservar um nome eterno

Os versos, ou a história.

 

Se não houvesse Tasso[9], nem Petrarca[10],

Por mais que qualquer delas fosse linda,

Já não sabia o mundo, se existiram

Nem Laura, nem Clorinda.

 

É melhor, minha Bela, ser lembrada

Por quantos hão de vir sábios humanos,

Que ter urcos[11], ter coches, e tesouros,

Que morrem com os anos.

 

—

[1] refere-se a carruagem puxada por seis cavalos; [2] pano ou tapeçaria que se põem na parede entre duas janelas; [3] estejam penduradas, suspensas; [4] que tem forma de painel; [5] carruagens; [6] poeta; [7] título dos imperadores romanos; [8] habitação rústica; [9] poeta italiano do século XVI, autor da epopeia Jerusalém Libertada; [10] poeta italiano do século XIV, considerado o inventor da forma soneto; [11] cavalos.

 

***

            Como se vê, nesse poema metalinguístico, Tomas Antônio Gonzaga faz um autoelogio de seu poder de imortalizar a amada através das palavras. E despreza a ostentação que outras belezas (e outras mulheres) poderiam ter. Por isso que, mesmo havendo uma outra beleza avassaladora (metaforicamente em grande carruagem e que “faça tremer a rua”) e que habite uma sala grandiosa, com sedas e lustres, Marília, na sua beleza envolta em simplicidade, estará melhor.

Isso acontece, conforme a terceira estrofe, pois as riquezas da habitação (“palácios grandes”) e dos veículos (“coches voadores”) não têm o valor de servir como musa de um poeta. E a justificativa é de que “o tempo não respeita a formosura”, ou seja, a passagem do tempo fará com que a beleza do hoje se perca, pois “a mão tirana da morte pálida” destrói tanto os imperadores quanto as pessoas simples.

Eis que se estabelecem duas esferas: do presente passageiro e da eternidade poética. O que se apresentou nas primeiras estrofes insere-se na primeira, ao passo que Marília se conecta às belezas que, mesmo já não existindo no presente, mantêm-se vivas, “eternas”, graças aos versos feitos em sua homenagem.

A sexta estrofe exemplifica tal ação com dois poetas e suas respectivas musas. Para o eu lírico, Laura ainda existe, graças aos poemas de Torquato Tasso, e quem lê os versos de Francesco Petrarca confere vida a Clorinda. Da mesma forma, pode-se transpor para a leitura contemporânea do próprio Marília de Dirceu, que também faz com que Maria Doroteia de Seixas (a mulher por quem Tomás Antônio Gonzaga era apaixonado) ainda habite a imaginação dos leitores, mesmo após cento e cinquenta anos de sua morte.

Esse é o valor da literatura, conferir imortalidade às vidas que se tornaram palavras. E as histórias dessas vidas, para o poeta, quando conhecidas por todos os “sábios humanos que hão de vir”, serão bem melhores do que as daquelas que acumularam riquezas e tesouros, e que morreram e se acabaram com eles.

Tomás Antônio Gonzaga foi preso e degredado durante a Inconfidência Mineira. Pode-se pensar que as três partes de Marília de Dirceu obedecem a três etapas da vida do autor: o amor suspirado que teve com Maria Dorotéia de Seixas, projetando um cenário campestre; a prisão, em que sofre pela saudade; e o degredo para Moçambique, com o ar da despedida final e definitiva.

Mesmo escrito há mais de duzentos anos, essa obra ainda se mantém fresca e viva, muito pela musicalidade e sabor lírico que emana dos versos, mas também pelo amor simples e idealizado que neles habita.

Deve-se ler as demais liras de Tomás Antônio Gonzaga. Se não houver uma análise mais aprofundada, ao menos fica a fuga momentânea para um amor bucólico…

 

E pronto!

por Saulo Gomes Thimóteo

 

 

ArcadismometalinguagempoemaSéculo XVIIITomás Antônio Gonzaga
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Literatura brasileira

sthimoteo

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